Eu serei o mais honesto que puder. Quando sento pra escrever hoje à noite, eu faço essa promessa. Ao longo dos dois últimos dias, experimentei alegria e tristeza em medidas iguais. Fiquei encantado, iluminado e confuso. O time da UNICEF aqui na Guiné tem me dado uma apresentação muito compreensiva dos seus programas para as crianças e a implementação destes que uma imagem da vida em Guiné está começando tomar forma. É como um quebra-cabeça: um onde as peças ficam se movendo e mudando de forma, o que no fim, altera toda essa imagem. Você pode olha para ela de um certo ângulo ou em uma diferente hora do dia. Depende de onde você tirou a informação e quem a deu para você. Você pode preencher os espaços em branco, tentando adivinhar as coisas no escuro, está tudo aberto à interpretação.
Ainda assim: eu serei o mais honesto que puder.
Meu segundo dia na Guiné começou com uma visita ao Instituto Nacional de Saúde e Nutrição Infantil no Hospital Donka em Conakry. Imediatamente fui apresentado aos mais experientes médicos e especialistas em cuidado infantil, em cujos cuidados estão algumas das crianças mais desnutridas do país.
Qualquer pico de adrenalina que eu havia sentido antes sobre estar viajando pela África foi imediatamente esfriado pela visão destas crianças. Os médicos e enfermeiras foram atenciosos e informativos a respeito de detalhes específicos dos problemas individuais de cada uma dessas crianças, mas eu fiquei simplesmente sobrecarregado pela visão de tantas crianças pequenas precisando de ajuda. Uma das alas - do tamanho de um quarto de solteiro em um hotel de duas ou três estrelas no Reino Unido - abrigava pelo menos vinte crianças, algumas das quais me disseram com poucas chances de sobrevivência. Os braços e pernas delas eram indescritivelmente magras. O que mais me chocou foi a velocidade e a urgência da respiração delas, dormindo ou acordadas, mas sendo uniformemente desigual e alterada. Quando você vê uma criança lutando tão ferozmente por algo simples como respirar, isso faz com que o seu coração doa. Muitas dessas crianças tem infecções pulmonares e a maioria, senão todas, foram internadas devido a desnutrição ou como consequência de uma condição devido à desnutrição de suas mães.
Os médicos aqui estão fazendo tudo o que podem com muitas doses de conhecimento, experiência, calma e compaixão, mas eles precisam de mais e melhores equipamentos, assim como, uma maior capacidade. Na ala com vinte crianças, havia somente uma máquina de suporte de vida fornecendo oxigênio. Somente uma. Em uma sala com vinte.
Uma criança, acordada, deitada, dolorosamente magra, me observava cuidadosamente enquanto os médicos me mostravam a sala. "Ela está doente," disse um conselheiro, "mas ela é muito atenciosa." Ela era tão atenta, tão consciente, a mente presa dentro do seu corpo. Ela, como as outras crianças a sua volta, desamparada.
© UNICEF 2013/Harry Borden
Sou levado para uma sala onde encontro duas das menores crianças que já vi. Uma nasceu uma terrível doença de pele, devido à falta de vitamina A, a outra nasceu muito prematura. A visão dessas duas crianças me deixou sem palavras. A pele da primeira criança era seca como papel vegetal.
Muitas dessas crianças são admitidas com desnutrição crônica. Desnutrição é uma coisa difícil de se entender completamente até você ver crianças como essas. Imediatamente surgem questões. Porque? Quais são as causas? A equipe da UNICEF responde rápido: primeiro, muitas crianças não recebem aleitamento materno quando nascem. Elas são amamentadas somente por pouco tempo e após isso com água, que frequentemente é suja e cheia de doenças. As próprias mães são desnutridas e a doença é passada hereditariamente para a criança e muitas vezes ao nascerem não há nenhuma vacinação para o bebê. Vou retornar a esses tópicos várias e várias vezes. Essas são as peças do canto do quebra-cabeça, não importando a fragmentação do cenário maior: amamentação, água, saneamento básico, cuidados maternais e educação, vacinação.
Mas não foram só más notícias em Donka. Eu conheci um menino recém-nascido cuja mãe havia sido diagnosticada com HIV mas a doença não havia sido passada para ele. Ele acordou quando passei e era todo cheio de sorrisos e curiosidade. A UNICEF forneceu o tratamento que o protegeu de ser infectado.
É também importante falar que em Donka eles possuem uma taxa de cura de 65%. O Instituto é composto de profissionais altamente especializados, que trabalham incansavelmente para salvar vidas, mas há uma falta de remédios essenciais e um baixo fornecimento de equipamentos. Julien Harneis me falou depois que eu testemunhei o cuidado com crianças em um nível nacional, na área mais urbanizada e concentrada de Conakry. Nas partes mais remotas do país, entretanto, existem diferente soluções dentro da cultura e das práticas das comunidades locais. Não são necessariamente as crianças que precisam de atenção e sim suas mães. Ajude as mães, ajude as crianças.
© UNICEF 2013/Harry Borden
Antes de pegarmos a estrada para visitar as comunidades rurais, paramos para visitar o Projeto Tinafan. Passamos dirigindo por campos de futebol, com bandeiras de clubes de futebol do mundo todo, mas passamos através disso. Estamos aqui para assistir ao circo. Tinafan é um projeto feito para desenvolver as capacidades e inclusão econômica/social daqueles que largaram a escola e cuja subsistência depende de uma magra renda de trabalhadores não-qualificados. Tinafan usa o treinamento nas artes circenses para aumentar a sua confiança, habilidades interpessoais e ajudar a confiarem uns nos outros. Tudo isso soa um pouco seco. Até onde consigo ver, assim que abro a porta do carro, essas crianças estão dançando. Escuto a batida de tambores. Vejo corridas, pulos, sorrisos, carrinhos de roda, todos vindo em minha direção. Vejo atletas em forma, fortes, prontos para estourar. A lembrança trazida do que eu vi em Donka é instantaneamente dispersa pela pura, emocionante e radiante alegria dessas crianças. Somos convidados a entrar na academia onde eles treinam e assistir a um show. Uma banda já estava levando a multidão ao delírio, enquanto a atividade acontecia atrás da cortina. A banda consistia de cinco tambores e dois xilofones e não mais. O ritmo era propulsivo e elétrico. Não tenho certeza de quais eram minhas expectativas mas elas foram totalmente superadas. Devo ser o mais honesto possível: essas crianças são artistas de primeira linha, de impressionantes graça e atletismo. Os melhores entre eles, me disseram mais tarde, excursionaram o mundo com trupes de circo. A sua apresentação foi explosiva e vertiginosa - acrobacias, pirâmides humanas, trampolins, contorcionistas - uma mostra de força, flexibilidade e precisão paralelos, senão além das melhores apresentações físicas que já vi em balés, dança contemporânea ou no Cirque du Soleil. Eles se apresentaram com uma alegria crua. O seu treinador, "Prince", também os ensina a pintar, enfatizando para mim o quão importante é para os seus estudantes entenderem o poder da paixão e positividade na criatividade depois que o corpo humano atingiu seu auge.
Em uma manhã: um retrato de doenças justaposto imediatamente com um quadro de saúde e bem-estar. Ambos verdadeiros. Ambos precisando de atenção e apoio contínuo. Duas peças diferentes do quebra-cabeça.
continua.....
4 comentários:
Esse Tom é uma pessoa realmente especial!
Nossa, sem palavras para descrever essas cenas que ele viu. Realmente esse lugar merece atenção! Nada é mais triste do vc ver uma criança sofrendo com fome...
Imagino como o Tom deve ter se sentido ao ver cenas tão tristes! Mas o que mais me admira nele é saber que apesar de ser um artista famoso, ele é humano, solidário e se preocupa em ajudar os outros.
Parabens Tom! Continue sempre assim...!
Essa parte do circo me lembra muito o que o criança esperança faz nas comunidades a fora pelo país, isso ajuda tanto na formação de um indivíduo.. Imagina lá onde a precariedade é mais grave.
Obrigada por ter se dado o trabalho de traduzir este texto.E muito importante entendermos essa realidade ambigua.
Postar um comentário
Sua visita e seu comentário são muito importantes! Porém, não aceitaremos comentários ofensivos ou de mau gosto.