© UNICEF/Luke Windsor/2013
À tarde, dirigimos para o leste, de Kankan para Mandiana. São 35 km enquanto os corvos voam para a fronteira com o Mali. É o lugar mais remoto que já visitei. A estrada nem pode ser chamada de estrada. É uma pista de terra através dos arbustos, a mais desnivelada de todas até agora. A viagem leva duas horas e meia na nossa 4x4. Quando chegamos, minha primeira pergunta é: porque? Porque há um assentamento aqui? Não consigo entender imediatamente a história do lugar, não há um rio e pouca vegetação.
A resposta: ouro. Há minas artesanais de ouro ao redor de Mandiana, o que cria uma fonte de renda para os homens na região, que arranham uma panela viva atrás do metal precioso. Estamos aqui porque é o mais longe de Conakry que é possível viajar e as pesquisa de nutrição da UNICEF mostram que a desnutrição nessa área é a pior. Estacionamos do lado de fora do Centro de Saúde, que está cheio de mulheres e crianças e logo que entramos, quase espontaneamente um grupo começa a se formar. Essas mulheres são mais diretas e honestas do que qualquer uma que conversei até agora. Elas parecem ser menos carregadas de timidez ou desconfiança. Elas estão brabas e seus problemas são urgentes. Qual é o mais problema para vocês aqui, eu pergunto. Água, elas respondem. Não existe água. A declaração é tão básica e sem rodeios que me atinge como uma taco na cabeça. Vocês podem falar mais sobre isso, eu pergunto. Uma mulher responde. Existe somente um poço, é uma longa caminhada da vila e somente temos acesso a ele por certas horas do dia porque é controlado pelos militares. Eu não preciso ouvir mais nada. Eles são privados de uma necessidade básica.
O que segue é uma demonstração dos métodos de classificar as crianças quanto a sinais de desnutrição. O primeiro teste é relativamente simples. Um pequeno bracelete colorido ou tornozeleira é enrolado ao redor do braço esquerdo da criança, entre o cotovelo e o ombro, para medir a espessura do seu braço superior. Se a medida estiver na zona verde, tudo está bem, na amarela ou vermelha então há causa para um tratamento maior pois a criança está moderada ou severamente desnutrida. Se uma criança é diagnosticada como desnutrida, ela é imediatamente tratada no centro de saúde ou indicada para o hospital local, que trata dos casos mais graves de desnutrição onde pode haver outras complicações. Essas complicações podem ter causado a desnutrição, podem ser resultado da desnutrição ou podem ter agravado devido à desnutrição. Qualquer que seja o caso, essas são crianças muito doentes.
Crianças moderadamente desnutridas são inicialmente prescritas com um pacote de uma pasta de amendoim e proteínas, cuja consistência é igual a de cobertura de bolos, que é dado à mãe para alimentar a criança, uma certa quantidade a cada dia. Ela também contém vitaminas essenciais e minerais e a esperança é que quando a criança retorne ao centro de saúde em uma semana ou duas, isso terá aumentado o seu nível de saúde. Se a criança estiver severamente desnutrida, será admitida imediatamente no mais próximo centro ou hospital e prescrita com um tratamento de leite fortificado terapêutico: F75 e F100, que varia em resistência e é dado durante as duas principais fases do tratamento. A UNICEF é responsável por prover e abastecer esse leite e equipamento médico.
O garoto de oito meses que está sendo testado, registra no limite entre as zonas amarela e vermelha. Ele é diagnosticado como moderamente desnutrido e não há água aqui. Ele só tem oito meses de idade. A estrada à frente desse garoto é inimaginavelmente íngreme.
© UNICEF/Luke Windsor/2013
Somos levados ao outro lado da vila para o hospital de Mandiana. Há doze camas, quatro delas reservadas especificamente para crianças desnutridas. Somos apresentados a uma jovem mãe, Alima Diallo de 18 anos e seus filho de um ano (seu terceiro filho) que tem recebido tratamento no hospital pelos últimos dois dias. Ele tem malária e está severamente desnutrido. Talvez o primeiro levou ao último. O primeiro filho de Alima morreu aos quatorze meses, provavelmente de malária também. Ela mora a 9 km de Mandiana e regularmente vem ao hospital: "Aqui eles fazem um bom trabalho." O médico explica que eles fornecem leite terapêutico primeiro, então remédios e antibióticos. Eles também fornecem ácido fólico para melhorar a condição do sangue, paracetamol para reduzir a febre e tabletes para reduzir os parasitas. Multi-vitaminas também, são muitos remédios.
O médico precisa ver um ganho de peso de 15% antes de liberar a criança, o que deve levar umas três semanas, após as quais Alima pode ir ao centro de saúde que irá reavaliar o status de saúde da criança e irá prover a pasta de amendoim especial.
Nesse cenário a UNICEF provê a pasta de amendoim terapêutica, assim como sessões de treinamento para médicos em desnutrição aguda severa: instruções em novos protocolos; demonstrações de culinária para jovens mães; sessões em como implementar grupos de apoio para mulheres que estão amamentando, leite especial, fitas de medidas dos braços e escalas de peso. A UNICEF provê o equipamento e os suprimentos, mas a equipe médica local salva as vidas.
© UNICEF/Harry Borden/2013
À medida que caminhamos para longe do hospital, Julien explica que esse é um caso de uma mãe que não sabe como garantir a seu filho uma dieta equilibrada, protegê-lo de doenças transmitidas pela água ou malária. Ela mora longe do centro de saúde, perdeu a educação geral na escola primária e especificamente a educação em observar e diagnosticar sintomas de doenças. Ela provavelmente respondeu muito devagar e muito tarde em procurar assistência médica. Alima fez o melhor que pôde com o que ela tem, mas foi traída pela falta de educação. Ela está entretanto, aprendendo. Ela diz que não irá ter mais filhos até que o seu mais novo esteja saudável.
Quando dirigimos para longe de Mandiana, saindo desse lugar quente e desolado, me sinto o mais longe de casa possível. Eu não consigo conceber como deve ser a vida aqui diariamente e os desafios simples que eles precisam enfrentar para sobreviver. "Não temos água." Não consigo tirar isso da minha cabeça.
3 comentários:
Loucura isso, Quando ele diz estar chocado com o quê ele ouviu "não temos água", que bizarro! É difícil conceber que em pleno século 21 haja problemas assim.
Mas é bom saber que tem gente fazendo a diferença nesse lugar.É muito linda a imagem do Tom com essa jovem mãe, ele parece estar prestando muita atenção no que ele fala, e o menininho tocando seu rosto! Que lindo! Essas atitudes do Tom me fazem sentir mais carinho por ele...!
Problemas como falta de água ou comida é muito mais comum do que imaginamos... o que acontece é que as vezes nos esquecemos de olhar para o outro e ver seus problemas... e olha que isso pode estar acontecendo não só na Africa, mas também aqui do nosso lado.
É bom ver mais alguem preocupado com as causas sociais e o Tom arrebentou... suas palavras soam tão verdadeiras e nos fazem viajar junto com ele... a cada vez mais admiro a pessoa que ele é... incrível.
Quanto as meninas do site, parabéns pelo trabalho e empenho, e ó homem que escreve, viu... rsrs... mas uma vez, parabéns!!!
A minha mãe trabalhava a alguns anos em uma ONG do nordeste do Brasil que ajuda famílias com nescidades no sertão da Bahia. Diversas vezes eu estive presente em ajudas comunitárias e sei mais ou menos o choque de ver pessoas que não tem acesso (ou pouco acesso) a uma substância que encontramos tão facilmente e de tamanha abundância em nossas casas. Mas o que eu quero realmente dizer é que não precisamos ir tão longe, não é necessário uma pessoa ir a África e nos contar o que está acontecendo lá para nos sensibilizar... Temos isso aqui na nossa terra também gente... Na nossa nação!!
Parabéns pelo blog mais completo do Tom que eu já encontrei!
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