E vamos lá para mais um capítulo da odisseia do Tom em Guiné. Publicaremos novamente em duas partes por causa do tamanho!
Meu quarto dia começa com uma corrida. Estamos em Kankan . Julien bate na minha porta às 6:45 da manhã. Não tenho dormido muito, porque somente à noite eu tenho tempo para escrever mas eu estarei aqui por pouco tempo, logo é importante eu aproveitar ao máximo. Julien e eu corremos ao longo do rio. A essa hora as ruas já estão agitadas com atividade, mas a margem do rio está deserta. Em poucas horas estará tão movimentada quanto a Oxford Street. Pessoas virão de toda a cidade para lavar suas roupas, seus carros e seus corpos. Talvez porque seja ainda muito cedo de manhã, quando a mente está clara, quando nossos pensamentos estão livre de cortesia e auto-censura mas Julien e eu acabamos discutindo sobre nossas paixões.
Eu compartilho minha admiração por Shakespeare, enquanto Julien fala com saber sobre filosofia. Ele é um grande fã de Michel Foucault, o filósofo francês que disse (entre muitas outras coisas): "Ey não sinto ser necessário saber exatamente o que eu sou. O principal interesse na vida e no trabalho é tornar-se alguém que você não era no início." Cada dia é um ato criativo: um passo mais perto de tornar-se aquele que você quer ser. Eu admiro Julien enormemente. Ele acredita sem hesitação na natureza dos serviços públicos. Ele acredita no poder do legado. Ele acredita em deixar para trás um mundo melhor do que aquele que você encontrou. Ele acredita, calma mas ferventemente nessa possibilidade.
Como representante residente da UNICEF em Guiné, uma das maiores conquistas de Julien é um projeto para a reintegração de crianças que costumavam estar no exército, apoiados pelo Fundo de Construção da Paz. Essa foi a nossa primeira visita do dia. No início de 2011, trabalhando próximo ao Minsitro da Juventude, Julien convenceu pessoalmente o Primeiro Ministro a aprovar um projeto para apoiar 2000 jovens que haviam sido recrutados irregularmente pelas forças armadas. Essas crianças são essencialmente antigas crianças-soldado, embora elas não tenham visto um conflito real. Elas são jovens de comunidades em áreas rurais e remotas que na idade de 15 a 17 foram recrutadas, algumas à força e transportadas para campos militares para treinamento. Elas não foram permitidas a deixarem os campos e aqueles que tentaram foram espancados, punidos fisicamente, humilhados e privados de comida. Em 2010, com a transição do governo militar para o civil, esses jovens homens e mulheres foram soltos sem nenhum meio de subsistência ou transporte. Com medo de estigmatização, muitas dessas crianças - assustadas, com cicatrizes, adolescentes - alguns dos quais se viraram para o crime e a bandidagem. Outros jovens vulneráveis que foram afetados pelos conflitos na região foram recrutados para esse programa.
O Fundo de Construção da Paz pagou pela sua reintegração através dos Centros de Treinamento Profissionais do governo que apesar de razoavelmente equipados não possuiam dinheiro para fazer funcionar os programas de treinamento. O projeto tem como objetivo facilitar a reintegração do que agora são jovens homens e mulheres através de serviço de treinamento vocacional. O centro é uma colmeia de atividades. Assim que saio do carro sou levado a um quadrilátero de prédios com oficinas, especializadas em diferentes e específicas habilidades: soldagem, carpintaria, treinamento para eletricistas, alvenaria e construção. Esses jovens adultos estão consumidos com um propósito. Eu nunca vi artesãos e artesãs tão orgulhosos e apaixonados pelo seu trabalho.
© UNICEF/Harry Borden/2013
Eu falo com Claude, na oficina de alvenaria, que tem feito cadeiras e mesas e portas e camas aqui pelos últimos dois anos. Mais tarde, em uma sala mais silenciosa no escritório do Diretor, Claude me conta sua história. Ele estava no campo, trabalhando na sua lavoura. Os militares vieram e disseram a ele: "Você está vindo conosco," e foi isso. Quando os problemas acabaram, o exército os deixou ir e ele quis voltar para o campo. Quando este projeto, o Fundo de Construção da Paz, veio até ele e o ofereceu uma segunda chance, sua primeira resposta foi: "Não. Eu já me desapontei uma vez. O quê realmente vocês irão fazer? Je n'avais pas confiance (eu não confio em vocês), mas então ele achou que poderia suceder com isso e decidiu dar uma chance.
Claude nunca olhou para trás. Quando ele tentou ser recrutado para o serviço militar no final da adolescência, sua mãe aprovou. Ele tinha esperança de conseguir um emprego, de ganhar dinheiro, receber treinamento. Ele recebeu nada, mas ele teve sorte. Suas palavras finais foram despertadoras: "Eu passo todo o meu tempo nessa oficina agora. Esta é a minha vida. É isso que eu faço. Aqui, agora, antes, depois. Se tiver madeira, se eu tiver meu equipamento, eu sempre poderei trabalhar. Eu adoro. Eu tenho o meu dinehiro. Eu estou aqui."
Isso não acontece somente com os garotos. Eu converso também com Josephine, que vem da mesma vila que Claude. Entre 2000 e 2007 ela estava estudando, mas o seu pai faleceu e ela ficou sozinha com sua mãe. Elas estavam vendendo vegetais no mercado. Próximo dalo haviam vários campos do exército. Eles vieram até a vila e estavam procurando por novos recrutas. O exército veio até a casa dela e disse a ela que a localização da base deles era secreta e se ela revelasse isso eles a matariam. "Ils vont tuer ma famille (eles vão matar a minha família)." Ela foi contratada. Ela seguia os soldados pelo mato para atuar como "limpadora": ela não tinha outra opção. Era difícil mas ela diz que "se acostumou com som dos rifles."
Quando oFundo de Construção da Paz veio até ela, sua mãe a preveniu contra. "Eles vão abusar de você. Eles a estão recrutando por causa dos meninos, é muito perigoso." Ela implorou a sua mãe. Ela disse, "Deus é grande." Agora Josephine é feliz: ela tem habilidades, ela é confidente, ela tem dinheiro para compartilhar e nenhuma preocupação com o futuro. Ela está tão feliz que isso a faz querer chorar.
O que a UNICEF está fazendo por esses jovens adultos é enorme. O Centro de Formação os está provendo com um programa de treinamento vocacional de dois anos que os dará um propósito e uma fonte de renda para o resto de suas vidas. Kankan precisa de encanadores, eletricistas, carpinteiros e construtores. Estes são os técnicos que constroem uma sociedade e eles irão construir a sua própria.
(continua na parte 2)
2 comentários:
Puxa vida, eu imagino como o Tom deve estar cansado, pobrezinho, vai dormir por um dia inteirinho quando voltar para casa!
Mas a questão de crianças e adolescentes com traumas de violência e se voltam para o crime me faz lembrar o nosso problema aqui, que é exatamente esse! É! Algo precisa ser feito, eu admiro o pessoal que está trabalhando lá!
Obrigado pela tradução meninas... Parabéns!!!
Otima tradução meninas, parabéns.
E to Tom é um homem adimirável! *-*
Beijos, Bianca Almeida
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